Olhe para meu prontuário médico, olhe para MIM!
A voz de uma sobrevivente da pólio sobre o que os profissionais de saúde — e nós mesmos — precisamos lembrar!
Deitada em uma maca, prestes a ser levada para mais uma cirurgia, ela ouviu a pergunta:
— “Você é o caso de poliomielite de que tanto falam?”
Surpresa, respondeu apenas:
— “Sim, sou.”
Aquela breve troca revelou algo doloroso: em pleno século XXI, uma sobrevivente da pólio ainda era tratada como “um caso raro” — quando, na verdade, há milhares de pessoas vivas com as sequelas da poliomielite. Invisíveis, mas presentes. Este relato é de uma mulher que contraiu pólio bebê, cresceu entre cirurgias e muletas, e que aos 12 anos tomou uma das decisões mais corajosas da vida: abandonar as muletas e escolher a cadeira de rodas. Não por desistência, mas por liberdade. “Com a cadeira, pude viver — estudar, trabalhar, amar, criar minha filha. Mas hoje, aos 70, enfrento a Síndrome Pós Poliomielite, que avança silenciosa e ainda é mal compreendida por muitos médicos.”
Quando o médico não olha o prontuário
O relato desta sobrevivente traz um alerta real: o desconhecimento sobre a pólio e suas sequelas ainda é enorme — mesmo entre profissionais de saúde. “Quantas vezes preenchi meu histórico médico, escrevi ‘poliomielite’, e mesmo assim ouvi: ‘Por que você está em uma cadeira de rodas?’”, conta. Em outra ocasião, teve o diagnóstico de “esclerose múltipla” lançado em seus relatórios — erro que poderia ter comprometido todo o tratamento. O problema não é apenas a ignorância: é o olhar automático, que enxerga a deficiência, mas não a pessoa.
“Olhem para meu prontuário, sim. Mas olhem, sobretudo, para MIM.”
Cirurgias que não curam — e o peso da normalidade
Durante a infância e juventude, ela foi submetida a múltiplas cirurgias — fusões ósseas, alongamentos e correções — não para aliviar a dor, mas para “deixá-la de pé”. Era a busca por uma normalidade impossível, que custou hospitalizações, frustrações e dor crônica. “Passei parte da infância no hospital. Cada verão em que meus amigos brincavam, eu estava imobilizada em gesso.” Até que, aos 12 anos, cansada, ela escolheu a cadeira. O médico reagiu com desprezo: “Se você não andar, você fracassou.” Mas ela entendeu o contrário: fracasso seria continuar tentando ser o que o corpo já dizia não poder ser.
As marcas do tempo e da negligência
Hoje, décadas depois, ela convive com fraqueza progressiva, fadiga e dores típicas da Síndrome Pós Poliomielite — muitas delas agravadas por cirurgias e tratamentos desnecessários no passado. Seu quadril esquerdo, deslocado desde a juventude, nunca foi diagnosticado corretamente. A dor foi tratada com remédios — e indiferença. “Um médico me olhou e disse: ‘Você devia estar andando’. Respondi: ‘Eu não quero andar. Quero viver sem dor’. Mas ele só me via como alguém a ser consertado.”
O que aprendemos com essa história
O relato dessa sobrevivente é mais do que uma denúncia — é um manual de consciência para todos que ainda convivem com as sequelas da pólio e enfrentam a Síndrome Pós Poliomielite.
Aqui estão lições práticas que podem ajudar outros sobreviventes a evitar os mesmos erros e frustrações:
Leve seu histórico médico completo e atualizado
Tenha uma pasta impressa ou digital com:
- Diagnóstico de pólio e data provável da infecção
- Cirurgias realizadas (mesmo antigas)
- Exames de imagem que comprovem alterações ósseas e musculares
- Lista atualizada de medicamentos e alergias
Assim você evita interpretações erradas e tratamentos inadequados.
Explique o que é a Síndrome Pós Poliomielite
Nem todos os profissionais conhecem a condição. Tenha um resumo impresso explicando que ela causa fadiga extrema, fraqueza muscular, dor e intolerância ao esforço, e que esforçar-se demais piora os sintomas.
Escolha médicos que ouçam — e dispense os que ignoram
Se o profissional só quer te “colocar de pé” ou ignora o que você diz, mude de médico. Busque especialistas com experiência em doenças neuromusculares ou reabilitação pós pólio.
Evite cirurgias e terapias invasivas desnecessárias
A SPP é uma condição de manejo, não de correção. Antes de qualquer procedimento, pergunte:
- Isso vai realmente melhorar minha função ou apenas “corrigir a forma”?
- Quais são os riscos de fadiga ou agravamento?
- Existe uma alternativa conservadora?
Valorize o cuidado interdisciplinar
Profissionais que trabalham juntos (médico, fisioterapeuta, terapeuta ocupacional, fonoaudiólogo e psicólogo) oferecem tratamentos mais seguros e humanos. A reabilitação precisa respeitar o ritmo do corpo e o tempo da alma.
Cuide da parte emocional
Muitos sobreviventes carregam culpa, raiva ou vergonha por depender de aparelhos ou cadeira de rodas. Mas independência não é andar — é decidir o que te faz bem. Buscar apoio emocional ou grupos de sobreviventes pode ajudar a recuperar a autoestima.
Conclusão: Ver é Reconhecer!
“Olhe para meu prontuário médico, olhe para mim” não é apenas um pedido — é um grito por respeito, memória e humanidade. A poliomielite marcou corpos, mas também formou histórias de força e superação que não podem continuar invisíveis.
Se você é um sobrevivente, não aceite ser tratado como exceção. E se é profissional de saúde, lembre-se: Por trás de cada cadeira de rodas, há uma vida inteira que merece ser escutada antes de ser examinada.
Fonte:
https://polionetwork.org/archive/nrjowmgd96iuwczpkop1fbjr4hf8bh

